As relações familiares são, por sua natureza, complexas. Isto porque são sujeitos diferentes convivendo entre si, onde cada um possui as suas expectativas e desejos não apenas como indivíduos, mas também como a coletividade familiar.
O casamento marca, na teoria, o início da construção familiar, e onde duas pessoas, através de sua celebração, optam por unirem suas vidas em prol da vida comum e da construção de projetos futuros.
Acontece que ao longo do casamento, é comum que o casal enfrente desafios na convivência, e acabe se afastando em vez de ou solucionar o problema em conjunto, ou realizar o divórcio. E é nesta crise enfrentada pelo casal que não raro surgem os casos extraconjugais, o que acaba por intensificar ainda mais os conflitos existentes, e afetando diretamente os filhos que porventura estejam envolvidos.
Uma das grandes dúvidas é se amante tem direito a herança, mas antes de trazer a resposta, existem alguns pontos essenciais que precisam ser esclarecidos.
CASAMENTO E SEPARAÇÃO DE FATO.
O casamento, segundo valiosa lição do eterno professor Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, "é uma entidade familiar estabelecida entre pessoas humanas, merecedora de especial proteção estatal, constituída, formal e solenemente, formando uma comunhão de afetos (comunhão de vida) e produzindo diferentes efeitos no âmbito pessoal, social e patrimonial."
Acontece que não é o casamento a forma exclusiva para se constituir família, tendo em vista que o atual ordenamento jurídico, norteado pela valorização da pessoa humana e a sua respectiva dignidade, compreendeu que a união estável também é meio legítimo para se constituir um núcleo familiar, conforme o art. 226, § 6º da Constituição Federal.
Inclusive, hoje não mais se encontra no casamento civil o caráter religioso e político que vigorava no Código Civil de 1916, onde era indissolúvel o vínculo matrimonial.
Pois bem.
Da mesma forma que ninguém é obrigado a se casar contra sua vontade, ninguém também é obrigado a se manter em um casamento onde não mais deseja estar, de maneira que o legislação permite o divórcio, que é justamente o momento onde o casal opta por dissolver o vínculo que antes os unia, por simplesmente existir ali o desafeto, isto é, a falta de desejo de permanecer casado.
Ocorre que nem sempre os envolvidos dão o passo necessário para proceder com o divórcio, seja por receio da reação dos filhos pequenos, a incerteza se aquele relacionamento merece ou não uma segunda chance, e até mesmo pelo desejo da manutenção da imagem da família perante a sociedade.
A consequência pela quebra do compartilhamento dos deveres matrimoniais, seja através da saída de um dos cônjuges da residência do casal ou até mesmo o simples ato de viverem em quartos separados, é a chamada separação de fato. É importante atentar que o vínculo matrimonial somente será dissolvido através do trânsito em julgado da sentença que decreta o fim da união.
A separação de fato, portanto, não é figura capaz de dissolver a união, que somente será possível através do divórcio, mas possui outro relevante efeito: cessa, a partir do momento da ruptura da vida em comum, a comunicação do regime de bens, isto é, tudo aquilo que for adquirido por qualquer um dos cônjuges, não entrará mais na eventual partilha, a qual somente será feita em relação aos bens que foram adquiridos a partir da celebração do casamento até o momento em que houve a separação de fato.
UNIÃO ESTÁVEL E CONCUBINATO: ENTENDA A DIFERENÇA.
Para além da consequência patrimonial, temos também a consequência de ordem pessoal da separação de fato: permite o legislador que aquela pessoa que esteja separada de fato passe a constituir união estável. Neste ponto, deve-se esclarecer a diferença entre união estável e concubinato, figura repudiada pelo legislador.
A união estável é a constituição de núcleo familiar, forjado pela afetividade e desejo de constituir família, entre pessoas desimpedidas de casar, isto é, aquelas pessoas que podem casar, mas que por alguma razão de ordem pessoal não o fazem, enquanto que o concubinato, repudiado pelo art. 1.727 do Código Civil constitui a relação não familiar havida entre duas pessoas que não podem se casar em razão de algum impedimento, que é o caso, por exemplo, das relações extraconjugais que um ou ambos os cônjuges passam a ter durante o casamento, daí porque muitos se perguntam se amante tem direito a herança.
O sistema jurídico brasileiro adota o princípio da monogamia, que, em linhas gerais, proíbe a formação de famílias simultâneas ou paralelas, devendo a pessoa, portanto, constituir apenas um matrimônio.
E é justamente em consonância com este princípio é que se proíbe, por exemplo, a doação realizada para a concubina (o) pode ser anulada pelo cônjuge que foi traído em até dois anos, uma vez que deve imperar a proteção ao patrimônio da família.
Seguindo esta mesma ideia, proibiu também o legislador que o concubino do testador casado seja nomeado herdeiro através do instrumento do testamento, respondendo à dúvida de muitos se amante tem direito a herança.
O próprio Supremo Tribunal Federal já fixou o entendimento de que o concubinato não é acolhido como relação familiar, mas tão somente como uma relação obrigacional, quando for o caso. Com isto, são afastados quaisquer direitos relativos à pensão alimentícia pelo concubino, à herança e aos benefícios previdenciários, conforme decisão fixada pelas Teses 526 e 529.
Com isto, em relação à dúvida se amante tem direito a herança, a conclusão que se chega é óbvia: de forma alguma, tendo em vista que a relação extraconjugal não possui proteção legal, mas tão apenas quando a pessoa casada já estiver separada de fato e tiver constituído união estável, que é o instituto que, de fato, possui o devido amparo legal porquanto é meio legítimo para a constituição de família.
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